José Rabelo
Foto capa: Arte/Nerter SamoraNo final do ano passado, mais um mulher desesperada - a exemplo de tantas outras que procuram a Associação de Mães e Familiares Vítimas da Violência (Amafavv) – apanhou o elevador e subiu ao décimo quinto andar de um prédio velho no Centro de Vitória disposta a denunciar mais uma situação de violação de direitos nos presídios capixabas. Ela procurava Maria das Graças Nacort, presidente da entidade e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos. “Outras mulheres me deram o seu endereço. Elas disseram que a senhora podia me ajudar. Eu quero fazer uma denúncia...”.
A mulher contou que o seu filho estava preso na Penitenciária de Segurança Máxima II, no Complexo de Viana, junto com outro rapaz que leva o apelido de “Lumbrigão”. Segundo a denunciante, “Lumbrigão” estava com a saúde muito debilitada. Seu estado era tão ruim que algumas mães se solidarizaram para comprar uma caixa de leite para reforçar a alimentação do rapaz. “A senhora sabe que para colocar uma caixa de leite dentro da prisão sai caro, R$ 150 (sic). Fica pesado para uma mãe comprar sozinha. Por isso, decidimos ajudar”. Na saída, com sensação de dever cumprido, a mulher alertou que temia pela vida do tal colega do filho, o “Lumbrigão”.
Maria das Graças sabia que Odessi Martins da Silva Junior, o “Lumbrigão”, era um dos responsáveis pelo crime que matou o juiz Alexandre Martins de Castro Filho, em 23 de março de 2003, no bairro de Itapuã, em Vila Velha. A militante sabia também que o crime do juiz, que ficou postumamente famoso, era ungido de mistério e versões desencontradas que até hoje não foram desveladas.
Os ex-sargentos da PM, Héber Valêncio e Ranilson Alves da Silva, foram uma das vítimas das arbitrariedades que cortejaram todo o processo de investigação do crime. O primeiro foi condenado a 20 anos de prisão e o segundo a 15. Os dois policiais, recentemente expulsos da Corporação, foram acusados de intermediar a morte do juiz. Valêncio teria contratado “os pistoleiros”, “Lumbrigão” e Giliard Ferreira de Souza, o Gi, para executar o juiz.
“No ano passado o Valêncio me procurou pedindo ajuda. Ele me disse que era inocente e que ficou preso mais de sete anos injustamente. Já conhecia parte da história e sabia que a morte do juiz Alexandre era recheada de contradições. Após aprofundar e cruzar informações, me convenci que tanto Valêncio quanto Ranilson não tinham participação na morte do juiz. Prometi que faria o que estivesse ao meu alcance para ajudá-los”.
Por capricho do destino, Maria das Graças Nacort estava se comprometendo a ajudar dois policiais. A militante luta há 11 anos para colocar atrás das grades, justamente, quatro policiais que, segundo ela, mataram o seu filho. Pedro Nacort Filho saiu no dia 20 de junho 1999 para comprar cigarro e não voltou mais. Seu corpo foi encontrado com sinais de espancamento e perfurado por 22 tiros. “Ao contrário do que as pessoas dizem, a Maria das Graças não é defensora de bandido nem tem ódio de policial, meu compromisso é com a justiça, com a verdade. Minha causa é defender os direitos humanos, não importa de que lado”, sentenciou.
A visita
Foi movida por esse censo de justiça que Maria das Graças correu para o Ministério Público Estadual (MPE) numa manhã de dezembro último. Foi direta. Pediu aos procuradores que intermediassem a sua visita ao detento “Lumbrigão”. “Eles ligaram para o diretor da Penitenciária de Segurança Máxima II (PSMA-II) e acertaram tudo”.
Naquela mesma tarde de dezembro, a militante fretou um táxi e disparou do Centro de Vitória para o município de Viana, onde fica o Complexo penitenciário. Chegando ao local, tomou um chá de cadeira de mais de duas horas. O diretor Rodrigo Bernardo alegava que o motivo da demora era a "arrumação" da sala reservada para recebê-la. Maria das Graças pressionou o diretor. Disse que o taxímetro estava rodando e que a associação não tinha dinheiro para pagar despesa tão elevada. Rodrigo debochou: “A associação deve ter bastante dinheiro”.
Após esperar uma eternidade, o comentário do diretor foi a gota d’água para a militante: “O senhor fique sabendo que a Amafavv não aceita dinheiro de suborno e nem tampouco se presta a lavar dinheiro, como muitas entidades por aí. Se fosse assim, o táxi poderia ficar parada aí na porta 24 horas. Mas esse, graças a Deus, não é o meu caso”.
Depois de descarregar a adrenalina, Maria das Graças foi informada pelo diretor que não poderia ver o preso. “Fiquei revoltada com a falta de respeito. Avisei: amanhã eu volto e quero ver se não vou entrar”.
Dito e feito, no dia seguinte Maria das Graças retornou ao presídio com o juiz Marcelo Loureiro, coordenador das Varas de Execuções Penais do Estado. E, desta vez, entrou com facilidade. Como o assunto envolvia o estado de saúde do preso, a unidade destacou uma funcionária da área de saúde para acompanhar a conversa.
No vídeo, obtido com exclusividade por Século Diário, o juiz Marcelo Loureiro se apresenta a Odessi Martins da Silva Junior, “o Lumbrigão”, e em seguida começa a fazer perguntas sobre o estado de saúde do detento. Maria das Graças também se identifica e dá uma referência ao preso: “Fui eu quem ajudou a tirar a sua filha da instituição quando ela foi internada. Lembra?”, disse a militante. “Lembro, sim. Foi a senhora. Sou muito agradecido por isso”, respondeu “Lumbrigão”.
Antes de “Lumbrigão” ser preso, em abril de 2003, a juíza da Vara da Infância de Vila Velha, Patrícia Neves, decidiu retirar a filha do casal, que ainda amamentava, literalmente do seio da mãe, a costureira Gisele Corrêa Rocha. À época a juíza alegou que a criança corria risco de vida, pois batidas policiais na casa do casal à procura de “Lumbrigão” eram constantes.
Maria das Graças conta outra versão da história. Ela diz que a Justiça retirou a guarda de Gisele sob a ameaça de que, caso "Lumbrigão" não se entregasse à polícia, a mãe não veria mais o bebê. “Isso me revoltou. Ninguém tem direito de usar uma inocente para prender um foragido da Justiça”, protestou a presidente da Amafavv.
Pão e água
Depois de apresentar suas credenciais, Maria das Graças pergunta: “Recebi uma denúncia que o senhor estava vivendo a pão e água. É verdade?”.
Na sequência, o juiz Marcelo Loureiro complementa, enfático: “Alguém deixou de fornecer alimentação ao senhor?”
“Lumbrigão” desconversa. Explica que estava doente, com tuberculose, teve muito febre, “mais de 40 graus, e estourou um monte de aftas na minha boca. Perdi mais de 10 quilos. Comecei a me recuperar agora. Fiquei só tomando leite. Tomava um litro por dia. Agora diminuiu pra meio. Também me deram uma pasta para eu comer”, justifica. A funcionária de saúde explica que a comida a qual ele chamou de pasta é uma alimentação pastosa para facilitar a mastigação.
“Não acreditei naquelas explicações. Acho que ele não quis contar a verdade na frente da funcionária. Ele estava muito magro. A barriga parecia que estava pregada nas costas”, recorda Maria das Graças.
“Na hora, eu disse para o “Lumbrigão”. Aproveita que o juiz está aí e fala tudo que você tem para falar. Expliquei que o doutor Marcelo era um juiz sério, um dos melhores que temos no Estado. Um dos únicos que tem disposição para visitar presídios”.
Em seguida, aproveitando a pausa que tomou conta da sala por uns instantes, enquanto “Lumbrigão” decidia se abria ou não o jogo para o juiz, Maria das Graças disse para “Lumbrigão”: “Sei que você é uma pessoa muito correta, porque na época do crime falou claramente que era você que tinha matado o juiz. E que aqueles dois policiais não tinham nada a ver com o crime. Não foi isso? Pois é, eu acho que se a gente erra tem que pagar pelo crime que a gente cometeu. Jogar inocente para pagar pelo crime... Igual o outro [policial] que perdeu farda, perdeu tudo.
A mãe [de Valêncio] está morrendo em cima de uma cama, sendo que você falou na hora para o juiz que eles [os policiais] não tinham nada a ver, e você apanhou muito. Por defender...Defender não, você só falou a verdade.
A mãe [de Valêncio] está morrendo em cima de uma cama, sendo que você falou na hora para o juiz que eles [os policiais] não tinham nada a ver, e você apanhou muito. Por defender...Defender não, você só falou a verdade.
“Lumbrigão” (inaudível, mas audível perante o juiz e a militante): “Quem matou o juiz fui eu e o Giliard, mais ninguém. Todo mundo que está preso neste crime é inocente. Só fui conhecer os policiais no dia do reconhecimento”.
Maria das Graças: “É isso só que eu precisava muito, queria muito ouvir de você. Eu comprei a briga dos dois PMs. Eu entrei no caso. Vou querer a patente deles na Justiça. Então eu queria ouvir isso de você na frente do doutor Marcelo: Eles não participaram da morte do juiz, nem o Valêncio nem o Ranilson?”
“Lumbrigão” responde: “Não participaram, de forma alguma”
Maria das Graças (com a voz embargada): “Muito obrigada, por isso. Deus te abençoe”.
O juiz, perplexo com o diálogo, se manifesta demonstrando nervosismo: “Não tem nada a ver minha vinda aqui com isso..." (inaudível). Em seguida, “Lumbrigão” começa a contar ao juiz sobre a sua situação penal.
Mais à frente, o interno confidencia ao juiz. “Isso aqui está um terror. Estão jogando spray de pimenta à vontade. Se você reclama, eles jogam spray de pimenta no olho e até na boca. Teve um preso que mandaram ele abrir a boca e jogaram o spray na garganta dele”, relatou.
Após a conversa com “Lumbrigão”, o juiz e a defensora dos direitos humanos conversaram com o preso que foi agredido com spray de pimenta na garganta. O preso estava doente e confirmou a agressão. O juiz também esteve com outro interno que convalescia de outra agressão. Bastante debilitado, ele disse que se recuperava de uma cirurgia. Outros detentos introduziram um cabo de vassoura no ânus do preso que perfurou todo o seu intestino. Nos dois casos, o juiz solicitou acompanhamento médico aos internos.
Federalização do crime
A presidente da Amafavv disse que irá pedir às autoridades competentes a federalização do crime do juiz Alexandre. Segundo ela, há uma série de erros processuais em torno do caso. Ela lembra que o mais grave é esclarecer de uma vez por todas que o crime foi latrocínio e não de mando, como continuam a insistir alguns personagens da história que não querem que a verdade venha à tona. “Quando a gente vê essas coisas dá até vergonha de ser brasileira. Dá vergonha viver num País sem lei, sem justiça.
O que prevalece aqui no Espírito Santo é o abuso de poder, o corporativismo, o nepotismo e o tráfico de influência. Aqui, quem tem dinheiro não fica preso. Prisão é só para pobre e preto. É por isso que a tortura continua correndo solta dentro dos presídios capixabas”, criticou.
Maria das Graças avisou que além de pedir a federalização do crime, vai procurar a Justiça para reintegrar os dois policiais à PM. “A reintegração, indenização e promoção é o mínimo que o Estado pode fazer para amenizar o sofrimento desses dois policiais. A mãe do sargento Valêncio está à beira da morte devido ao aborrecimento que passou pelos anos em que o filho ficou preso injustamente. Toda a família sofreu e continua sofrendo muito. Não tem indenização que pague os sete anos que ele ficou longe da família”, protestou.
E finalizou: “Aprendi uma coisa nesses anos de militância. No Espírito Santo, quem defende a verdade tem dois caminhos: cadeia ou cemitério”.
Serviço
Amafavv - Associação de Mães e Familiares Vítimas da Violência - Vitória - ES
Presidente: Maria das Graças Nacort
Contatos: (27) 9925 2942/8808 2908 Fonte: Século Diário
Infelizmente minha nobre guerreira Maria das Graças,isso que fora relatado acima acontece em todos os estados do País,abuso de poder, corporativismo ,hierarquias,trafico de influências, acobertamentos por interesses políticos,nesse País ser honesto ter princípios e assinar uma carta sentença hora de morte hora de perseguições e ameças diversas.Há momentos que a revolta e a indignação bate e se vc não tem DEUS você tem vontade de fazer justiça com as próprias mãos!E uma coisa foi muito bem colocado pela senhora,quando denunciamos essa ou aquela instituição ou aquele órgão público,não significa que não gostamos e ou apoiamos as mesmas ,apenas buscamos fazer o que é justo e licito e assim termos um País mais igualitário e digno de se viver sem abusos e prevaricações!SOU CONTRA OS MAUS EXEMPLOS QUE AFLIGEM A SOCIEDADE E O PODER!!PARABÉNS PELA LUTA MATÉRIA MUITO LINDA E EMOCIONANTE!!
ResponderExcluirA cada dia surgem fatos novos sobre esse episódio, oque tem que der feito é restabelecer a verdade
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