sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Antropólogo discute o bico policial e a PEC 300

Em um novo texto na seção Participações Especiais, o antropólogo e pesquisador do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas da UFF Lenin Pires — apresentado ao Casos de Polícia pela também antropóloga e blogueira Ana Paula Miranda — fala sobre o bico dos policiais, sua relação com os registros de ocorrência nas delegacias e discute até que ponto o aumento do salário dos PMs previsto na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 300, em tramitação no Congresso, alteraria essa realidade.

"A pergunta é: pagar mais aos policiais irá acabar com o bico? As demandas por 'segurança privada' envolvendo agentes públicos são um problema que se origina apenas na necessidade dos agentes policiais? O que se busca na prestação desses serviços? Essas demandas acabarão por si só com melhor pagamento dos policiais? Não seria possível pensar que esse mercado de segurança privada venha a ter que repensar os valores que pratica para pagamento desses profissionais?", escreve o antropólogo.

O bico é o que produz o bico

Essa expressão deve ser lida e entendida dentro de uma dialética na qual o termo "bico" tem dois sentidos distintos que se retroalimentam. O "bico" policial, aquele que significa dispensar um registro na delegacia, produz o "bico" no sentido que emprega uma economia de procedimentos que contribui para que o tempo de trabalho ordinário nos estabelecimentos estatais tenham alguma previsibilidade. Ou seja, se um plantão se inicia às 7h de uma manhã, é importante que o horário onde se inicia a custódia de um político, a segurança de um condomínio ou churrascaria, entre tantas outras possibilidades, não seja comprometido. Um registro de uma "feijoada" pode consumir o tempo de outras atividades que, somado a um tempo de um registro "para valer" — o que demandará investigação e comprometimento de outras competências no âmbito de uma delegacia — pode por em risco a fraternidade e solidariedade entre policiais, a maioria deles envolvidos em atividades extra-policiais.

A dinâmica entre policiais que atuam nas atividades ostensivas não é diferente. Não é aconselhável "levar feijoada para delegacia" quando se está por encerrar um plantão. Não por que isso vá "atrapalhar" policiais civis. Afinal, há policiais que levam feijoada seja para fugir do "clima quente" das ruas, seja para "sacanear" esse ou aquele delegado, ou ainda por que o agente é um "sem noção", um desavisado. Um policial militar não deve levar coisas irregistráveis no fim do seu expediente de trabalho porque isso pode fazer com que fique horas esperando a mudança do plantão, geralmente comprometendo um outro colega e o próprio batalhão. Isso pode comprometer o descanso ou, diretamente, o "bico" de muita gente.

A pergunta é: pagar mais aos policiais irá acabar com o bico? As demandas por "segurança privada" envolvendo agentes públicos são um problema que se origina apenas na necessidade dos agentes policiais? O que se busca na prestação desses serviços? Essas demandas acabarão por si só com melhor pagamento dos policiais? Não seria possível pensar que esse mercado de segurança privada venha a ter que repensar os valores que pratica para pagamento desses profissionais?

Afinal, com a manutenção das escalas de serviços, o profissional estará aí disponível nos interstícios do tempo de trabalho policial. Por outro lado, há toda uma dinâmica dentro das instituições policiais, envolvendo lealdades, estratégias de negócios, interesses entrecruzados entre o público e o privado no qual se fundamenta o envolvimento de policiais em um segundo ou até terceiro emprego.

São perguntas, questões, que bem podem demandar novas pesquisas, tão logo seja aprovado esse piso salarial, que poderá modificar muitas coisas nesse portentoso mercado. Para o bem e para o mal.

*Lenin Pires é antropólogo e pesquisador do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas da UFF.

Um comentário:

  1. O bico é uma forma de garantir o que o salário do Estado, que não satisfaz as necessidades do policial e sua família, o faça.
    Não é justo para aquele que cuida da vida e do patrimônio de todos, não tenha dignidade,por lutar pelo melhor de sua família em função de fazer o "bico".
    Remunere bem o policial,para que atenda suas necessidades e de sua família;proíba o bico,se necessário demitindo; incentive o estudo com planos de carreira;deixe que as academias de segurança privada cuidem de interesses privados e aí teremos um funcionário que atenda as especificações de comprometimento com o cargo.

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