domingo, 27 de setembro de 2009

Um capitão da PM assume o papel de atirador da bancada


27/09/2009 - 00h00 (Outros - A Gazeta)

Vitor Vogas
vvogas@redegazeta.com.br

Em 25 anos de atividade na Polícia Militar, por várias vezes Capitão Assumção (PSB) precisou disparar em ação a arma de fogo que portava. Desde que trocou a farda pelo terno regimental, ele segue disparando, mas por meio de palavras. O alvo agora, porém, é outro: o governo do Estado e, preferencialmente, a Secretaria de Segurança Pública, área em que se especializou.

No início do ano, Assumção assumiu uma vaga na Câmara dos Deputados, como primeiro suplente do hoje prefeito de Vila Velha, Neucimar Fraga (PR). De lá para cá, numa atitude considerada agressiva demais por alguns, tem usado semanalmente a tribuna da Câmara como bunker para fazer severas críticas à condução da pasta no Estado. Já chegou ao ponto de chamar o governador de "imperador" e classificar o secretário Rodney Miranda como "midiático".

A população capixaba em geral pode até não acompanhar tão de perto o mandato do militar, mas a população fardada com certeza sim. Assumção tornou-se suplente com 30,5 mil votos vindos basicamente de policiais capixabas. Sua atuação é corporativa, voltada para o que considera a defesa dos interesses da categoria, o que, aliás, não faz questão nenhuma de esconder. O direcionamento do mandato fica evidente nas comissões parlamentares que integra – como a de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.

O mesmo vale para as proposições que ele defende, como a PEC que estabelece que a remuneração dos policiais militares, bombeiros e inativos dos Estados não poderá ser inferior ao dos policiais militares do Distrito Federal (PEC do Piso Salarial). Para esta reportagem, por exemplo, não foi possível conversar pessoalmente (apenas por telefone) com o deputado, que tem viajado pelo país para divulgar a proposta entre os pares.

A lógica de Assumção é a seguinte: como o regulamento da polícia restringe muito as manifestações dos profissionais, a política seria um canal para isso, e ele, um porta-voz da classe. Nessa "missão" autodelegada, até posições partidárias ficariam em segundo plano. Em outras palavras, se uma orientação do PSB contrariar os interesses da classe, ele não hesitará em ficar do lado dos policiais.

Métodos

O deputado diz contar com a compreensão da direção do partido, mas as coisas parecem não ser bem assim. Afinal, o PSB é aliado importante do governo Paulo Hartung, com secretaria e tudo. Uma autoridade socialista no Estado desaprova o estilo "franco-atirador" do deputado e esclarece que as suas críticas não guardam qualquer relação com as opiniões do PSB capixaba. "As críticas são pessoais e feitas num tom exagerado. E a forma como ele se relaciona com a cúpula da Segurança do Estado não condiz com o pensamento do PSB."

Outro influente socialista define o estilo do capitão como um "sindicalismo raivoso", que seria fruto de sua inexperiência política, e não faria bem nem à sigla nem ao próprio parlamentar. "Ele é bem preparado e, em termos gerais, acompanha as diretrizes partidárias. Mas discordamos e reprovamos a forma agressiva como tem feito esse movimento."

Seja como for, esse comportamento rebelde não deve atrapalhar os planos do policial que chegou ao Congresso. Pré-candidato à reeleição, ele não vai pedir para sair. E o PSB não vai lhe pedir para tirar a farda. (Com colaboração de Felipe Quintino)

Artilharia pesada
"Não obstante a falência do sistema de Segurança Pública capixaba, agora piorado com a falsa ilusão de que colocar os operadores de segurança sem folga vai melhorar alguma coisa, observamos a multiplicação de crimes de abuso sexual infantil"

"Não me cansarei de cobrar do chefe do Poder Executivo do Estado melhorias na Segurança Pública. Os números de mortes têm que diminuir!"

Capitão Assumção (PSB), deputado federal, em discursos na Câmara

Associação apoia estilo de Assumção
O diretor jurídico da Associação de Cabos e Soldados, Flávio Gava, defendeu a postura adotada pelo deputado federal Capitão Assumção (PSB) em relação às críticas ao governo estadual. "A associação vê que essa postura é porque ele não está sendo ouvido pelo governo. Ele está mostrando as mazelas que têm a polícia. A independência do mandato de deputado permite isso a ele. A sociedade capixaba vê o policial e não sabe o que está acontecendo", afirmou. Ele disse que a associação tem acompanhado de perto o mandato de Assumção, que teve o nome confirmado em plebiscito para participar da eleição. A reportagem de A GAZETA entrou em contato com a Secretaria de Estado de Segurança Pública e com assessores do governo do Estado, mas, na sexta-feira, foi informado que o Poder Executivo não quer se manifestar a respeito das críticas feitas pelo deputado.

Quem é o deputado
Soldado. Em 1983, Lucínio Castelo de Assumção fez o Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES).

Patente. No ano seguinte, tornou-se sargento e, em 1992, graduou-se no Curso de Formação de Oficiais da PMES.

Especialização. Chegou a cursar Ciências Sociais e Medicina Veterinária, mas não completou os cursos. Tem três pós-graduações, uma delas em Segurança Pública (2008).

Militância. Clandestinamente, foi filiado ao PT até 2005, quando diz ter sido descoberto pela inteligência da PM e tacitamente ameaçado de expulsão – a Constituição proíbe que militares tenham filiação partidária. Somente nas convenções, o militar registra na ata que vai disputar a eleição por aquele partido. E, se assumir o mandato eletivo, automaticamente fica filiado.

PSB. Ainda em 2005, pelas mãos do deputado estadual Sargento Valter (PSB), procurou o senador Renato Casagrande e juntou-se ao PSB para disputar a eleição na coligação que também tinha PR, PT e PRB.

Licença. Como militar em exercício de mandato, Assumção passou compulsoriamente para a reserva, recebendo remuneração proporcional ao tempo de serviço na PM, além do salário como parlamentar.

Atuação. É titular da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, da Comissão Especial de Segurança Privada, da Comissão Especial sobre a PEC que cria a Polícia Portuária Federal, entre outras. É autor de um projeto de lei que transforma a pedofilia em crime hediondo.

Entrevista
Capitão Assumção (PSB)
Deputado federal

"Tratam a Segurança de uma forma midiática"

Bom de tiro ele é. Em 1983, foi condecorado como melhor aluno do curso de formação de soldados da PM. Nascido em Vila Velha, Capitão Assumção obteve a maior parte dos votos no pleito de 2006 em Ecoporanga, onde reside há sete anos. Segundo ele, foi transferido para o Norte depois de uma manifestação por melhorias salariais na PM. Essa atuação corporativa o acompanha desde os tempos de soldado e se estende agora para o mandato.

A sua "missão" no Congresso é defender os interesses da categoria?
Não é só defender os interesses da categoria, mas também os investimentos em Segurança Pública. É o nosso mote, porque, além de viver na prática, a gente se especializou nessa área. Não que eu não possa verificar como está a situação de outras áreas, mas tenho um pouco mais de domínio para falar sobre isso.

O senhor faz oposição ao governo estadual?
Na questão de Segurança, sim. É uma posição consistente. Consigo provar por meio de números que o governo não investe realmente na área. Ele vê Segurança Pública como um gasto. E aí as consequências são catastróficas. Os grupos mais vulneráveis estão a mercê do tráfico de drogas. Quem tem a caneta para mudar essa realidade é o Executivo estadual, que não tem feito isso. A mudança na escala dos policiais é um engodo para mostrar que eles estão presentes. Como não podem se manifestar, eles vão para as ruas de qualquer forma, mas não há um retorno garantido. É preciso elaborar um novo quadro organizacional e humanizar a escala de serviço.

Como o senhor avalia o secretário Rodney Miranda?
Sensacionalista. Ele trata a Segurança de forma midiática. A falsa sensação de segurança que colocam na mídia está em todo lugar, mas isso é perigoso, porque não está resolvendo o problema. Os índices de homicídios dolosos estão crescendo. Não precisamos de marketing, e sim de ações concretas. O Ministério da Justiça verifica que as cidades capixabas são as principais onde os jovens estão morrendo.

Como representante do povo capixaba, não acha errado concentrar o mandato na defesa de um segmento?
Apesar de defendermos a bandeira da Segurança Pública, há outras lutas que vão além dos quartéis em comissões específicas, como o cooperativismo. Mas os policiais votaram em um representante que tem por obrigação levar as insatisfações dos profissionais, pois, devido ao regulamento, não podem se manifestar. Eles precisam de uma voz autêntica para denunciar as arbitrariedades. O salário é um dos piores da República e o governador fala que é um dos melhores.

O senhor segue fielmente as orientações do partido? Vota sempre com a bancada?
Acima de qualquer agremiação existe a realidade do policial. Isso já foi conversado com as lideranças de Brasília, e tenho essa autonomia. Teria dificuldades de ficar em outra agremiação. Em uma votação em que estivesse em jogo a realidade dos policiais, eles nunca me obrigariam a votar num projeto que colidisse com os interesses. Mas eles nunca votam contra o trabalhador. Conseguem compreender que cada um tem a sua bandeira.

Publicado em 27/09/09 no Jornal A Gazeta.

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